segunda-feira, 14 de julho de 2014

Terceira carta a respeito do crescimento das seitas e seu elemento motivacional.

Caro Matias, paz e bem!

Tendo em vista responder tuas indagações a respeito do assombroso crescimento das seitas em nosso país, teci as seguintes considerações:

De fato é a cultura ou a sociedade que imprime uma forma determinada a religiosidade presente nos seres humanos.

Daí a asserção segundo a qual, aqueles que nascem em Riad assumem a forma do islan enquanto os que nascem em Nara recebem a forma do Budismo...

A determinação cultural é no entanto precedida por uma tendência religiosa espontânea a fitra.

A fitra ou inclinação natural para o 'sagrado' encontra-se em cada criatura racional. Ela pode até ser reprimida e contida pela educação mas não destruída por completo.

De fato o que comumente podemos perceber é a fitra deslocada para outra setor da atividade humana i é do numinoso: a religião, a música, a poesia, etc para o lucro, o esporte, a violência, etc Tal a gênese dos novos credos como o capitalismo, o futebolismo, o comunismo, etc

A fitra perde seu conteúdo específico ou próprio mas não sua força, chegando inclusive a atrofiar-se e a tornar-se ainda mais forte, e temos já diante de nós o fanatismo daqueles que matam por um determinado time, bandeira ou partido...

Todas as religiões seculares sejam políticas, econômicas ou esportivas são expressões da fitra mal orientada ou desorientada.

Quanto a realidade específica do Brasil recebeu a fitra, ordinariamente, uma forma romanista ou papista já sob forma de alta teologia em setores bastante restritos da sociedade - como os elementos elitistas mais instruídos, os monges e o alto clero - já sob uma forma básica, já sob uma forma acentuadamente mística, popular ou folclórica tanto nas paragens mais afastadas do interior, quanto nos subúrbios ou periferia das grandes cidades.

Em quaisquer destes dois últimos setores aos homens medianamente instruídos havia sempre a possibilidade de adquirir certo 'status' como padre, monge ou beato rezador; figuras mais ou menos características de nossos vilarejos coloniais ou mesmo imperiais... Já nos grandes conglomerados urbanos, desde meados do décimo nono século perdiam-se as pessoas em meio a incontável multidão de trabalhadores ou adoradores...

Que dizer então da mulher?

Quase que sempre relegada ao analfabetismo e, se rica presa ao bastidor e pobre aos pés do fogão...

De fato a tais criaturas a única regalia concedida era a de poder participar do culto divino ou da liturgia, a qual sem embargo, era conduzida ou oficiada por homens, e homens letrados.

Aos homens iletrados e mulheres era exigida total submissão por parte da igreja docente ou do magistério eclesiástico.

Em muitos casos a ignorância era encarada como uma espécie de benefício ou de preservativo para a alma.

Via de regra não havia sequer a possibilidade de aproximar-se com amor da doutrina sagrada ou de cortejar amavelmente a Verdade...

Era um estado de passividade absoluta quase sempre acompanhado pela total desinformação...

Diante de semelhante conjuntura o papel do adorador ou crente papista diluia-se em meio a imensa massa de crentes, seus iguais face ao sacerdote. Mesmo entre o vigário e a categoria mais vulgar dos fiéis - que era certamente a mais ampla - os intermediários eram de número reduzido, comumente um ou outro monge, o sacristão e o beato rezador... em todo caso homens mais ou menos alfabetizados.

Onde havia padre eram eles, que com algum devocionário a mão, respondiam as partes da missa latia que correspondia aos fiéis. Onde não havia padre recitavam como podiam algumas parte do Missal ou de algum outro livro de piedade... oficiando o que cognominamos para liturgia. A qual não poucas vezes misturavam-se elementos folclóricos ou supersticiosos...

Aos semi analfabetos e mulheres no entanto era parcas ou melhor dizendo nulas quaisquer possibilidades de destaque. É verdade que no catolicismo popular algumas destas mulheres acabaram conquistando o mais ou menos prestigioso ofício de benzedeiras... as benzedeiras no entanto além de não serem muitas deviam ser escolhidas para suceder a uma benzedeira mais velha, o que tornava o acesso a esta condição mais ou menos restrito.

Queremos dizer com isto que em termos de papismo a condição puramente passiva da grande massa de fiéis, especialmente das mulheres, faziam com que eles não se sentissem demasiadamente importantes. Grosso modo os membros da igreja romana não tinham sua estima elevada pelo clero...

O sacerdote era dispensador dos mistérios e dispenseiro da divina graça e eles; os fiéis, meros recebedores.

No frigir dos ovos nossos nobres e excelentes ancestrais sabiam que não lhes era dado fazer qualquer coisa de relevante pela religião... além de serem bons chefes de famílias, boas mães de família e frequentadores assíduos da Missa... ir a Missa, receber os Sacramentos em algumas situações específicas, jurar obediência a igreja e por em prática, no dia a dia, as virtudes Cristãs constituia a essência daquela forma religiosa.

Em certos setores havia até mesmo certo apelo desastroso ao cultivo da humildade cujo objetivo era se possível destruir ou ao menos conter a vontade de afirmação individual... todo e qualquer tipo de aspiração assaz elevada era de pronto classificada como fruto da vaidade humana e reprimida. Num ambiente estático como este a vida tornava-se muitas vezes monótona, prosaica ou mesmo insuportável e a religião não estava nem um pouco disposta a servir como válvula de escape.

A única possibilidade de granjear algum 'status' ou prestígio pessoal dava-se nos termos da profanidade, sendo as chances diminutas...

A própria vida era um apelo obscuridade.

Em termos gerais podemos dizer que a Igreja romana manteve sua postura tradicional até meio século. A sociedade todavia principiara a mudar bastante, especialmente após as duas grande guerras, isto é, cerca de meio século antes.

A partir do século XX o número de semi analfabetos foi superando cada vez mais o número de analfabetos e a mulher conquistando cada vez mais direitos e implementando sua liberdade. Não poucas delas aprenderam os rudimentos das letras e adotaram algum ofício, ainda que caseiro, como o de doceira, costureira, lavadeira, etc

Em decorrência das mudanças porque passou a produção econômica a vida dos homens e mulheres, de modo geral, foi tornando-se cada vez mais ativa e participativa. De fato numa Sociedade Urbana os papéis costumam ser muito mais diversificados do que numa sociedade agrária...

A Igreja por convivência, estava habituada a sociedade agrária e estática, correspondendo a suas necessidades. Quando a Sociedade passou pelas transformações impostas pelo liberalismo econômico -liberalismo a que a própria igreja não soube opor-se como deveria ter se oposto - foi como se a igreja tivesse perdido seu chão ou seus fundamentos, pois desde então suas práticas foram cada vez mais classificadas como obsoletas por uma freguesia, que tendo ocupado alguma função de caráter econômico, aspirava igualmente por ocupar algum tido de função religiosa.

Os fiéis ou leigos medianamente instruídos, mesmo as mulheres; pela primeira vez na história da igreja ocidental desejaram conquistar algum tipo de espaço dentro da igreja ou concorrer com os clérigos. Evidentemente que a longo prazo a Igreja haveria de bolar alguma solução...

Acaso no tempo das corporações não havia ela também estatuído corporações religiosas, confrarias, sodalícios, irmandades, etc???

O protestantismo no entanto, desde que fora instalado em nosso pais - desde 1853 - buscou, e sempre com certo sucesso, atalhar seus passos. E assim tem sido até o momento presente.

Pois o protestantismo, servindo-se do princípio do livre exame e da teoria segundo a qual os filhos da igreja apóstata precisavam ser salvos, veio decididamente de encontro as pretensões desta categoria de pessoas constituída pelos semi analfabetos i é pelos homens e mulheres até então submissos ao magistério da igreja romana, mas que agora aspiravam por mais liberdade...

A Igreja, com plena razão, ensinou a tais pessoas que eram súditos ou fiéis e que como tais deviam ser religiosamente instruídas pelos Bispos e padres, mesmo quando soubesse ler o Evangelho. O protestantismo veio e declarou-as 'profetas' reconhecendo que tinham não só o direito mas o dever de interpretar o Evangelho e de elaborar seu próprio credo.

Desde então iniciou-se nesta terra a revolução segundo a qual o marceneiro, o pedreiro, o açougueiro, o padeiro, a doceira, a costureira, a diarista; em suma, qualquer um que saiba soletrar ou balbuciar algumas frases, seja legítimo intérprete em termos de doutrina Cristã e sabedor de todos os mistérios do reino.

De fato nós nada temos contra aquele que busca auto instruir-se e buscar compreender a doutrina proposta pela Igreja, estudando-a com afinco e dedicação. E cremos que tal seja um direito do varredor, do motorista, da doceira, da costureira, etc Estudar e compreender a doutrina Católica.

Outra coisa porém é uma pessoa despreparada, que não domina os requisitos básicos para compreender o Evangelho, TOMAR UM TRADUÇÃO CAPENGA DA BÍBLIA, COMO A JFA, E APRESENTAR-SE JACTANCIOSAMENTE COMO PROFETA OU INSTRUTOR CRISTÃO, atacando impudentemente por sinal a fé de nossos nobres e excelentes ancestrais!

Coisa totalmente distinta é gritar a plenos pulmões que conhece toda largueza e profundidade dos dogmas e mistérios da fé, sem conhecer uma única linha de Koiné!!!

Seja como for o protestantismo inculca na mente de cada prosélito ou neófito a ideia absurda de que também ele é, de certa forma, um missionário cujo objetivo é salvar o maior número de almas possíveis e deste modo garantir infalivelmente sua própria salvação.

É como se o deus que criou o inferno contasse com eles ou precisasse deles para salvar o maior número possível de pessoas do inferno por ele criado para elas...

Desde então sente-se ele colaborador, ajudante ou parceiro de deus...

O que lhe confere uma disposição heroica. Por se salva alguém do inferno torna-se ele mesmo importante para deus e para toda comunidade.

Destarte qualquer sujeito derrotado e vencido injustamente pela vida e excluído das altas rodas, pode sentir-se não só acolhido mas importante para deus ou especial... este truque por meio do qual os líderes protestantes convencem qualquer nulidade medíocre, qualquer tabaréu, qualquer rebotalho humano a respeito de sua elevada importância é o segredo do protestantismo.

Todos desejam ouvir o que o protestantismo segreda aos ouvidos dos eleitos: que o sujeito sendo como é - traficante, gigolô, assassino, roubador, etc - é altamente importante e que tendo aprendido a balbuciar alguns versículos converte-se em ministro religioso...

A igreja de fato ensina que todo e qualquer homem pode tornar-se digno do propósito divino por meio da instrução e da obediência... o que demanda certa medida de esforço e trabalho coadjuvado pela divina graça.

Os homens no entanto, acomodados como são, desprezam esta mensagem. Não aspiram por portar a cruz e tomar o caminho estreito... conformando-se com a indignidade e a trivialidade da condição predominante.

O protestantismo vem e diz que não precisam fazer absolutamente nada, pois deus além de quere-los e aceita-los como são converte-os magicamente em colaboradores seus e salvadores, desde que semeiem a dúvida nos corações dos Ortodoxos.

O anuncio duma salvação mágica e confortável: tal o segredo do protestantismo!



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